É preciso que se estabeleça uma clara distinção entre ARTE e PRODUÇÃO. No universo contemporâneo, lidamos com novos parâmetros para arte e com uma aumento exponencial da geração e consumo de imagens técnicas (feitas por algum tipo de aparelho) - de certa forma, isso atrapalha na hora da distinção e, muitas vezes, um cliente de fotografia é iludido por uma imagem de "profissional-artista" que está aquém do auto-intitulado aposto.
Quando o fotógrafo domina o equipamento, quando o subjuga propositadamente, estabelece o primeiro vínculo com o fazer artístico. No entanto, conhecer a técnica e fugir dos padrões da máquina não são em si a fórmula para alcançar o status de arte. É preciso que a intenção e o resultado sejam equivalentes.
Procurar poses novas para o velho retrato de sempre, não assegura condição de arte para trabalho nenhum. Afinal, se plasticidade fosse base para arte, todo anúncio publicitário poderia chamar o título de artístico para si, pois criatividade é o que não falta nesse ramo. Confundir arte com alguma estética é algo muito comum e, não raro, vejo fotógrafos de bebês, grávidas e noivas, fotojornalistas, entre outros, denominando o próprio trabalho (técnico) de arte.
Mas enfim, o que é arte?
A resposta para essa pergunta é debatida desde a antiguidade e, com a perda da perspectiva clássica e das estruturas únicas (quadro, escultura, livro... nada mais parece ser suporte insubstituível ou exclusivo para os diversos ramos artísticos), parece cada vez mais tênue e difícil de conceituar.
Em suma, não podemos dizer "isso é arte", "aquilo não é". A mutabilidade do gosto e do entendimento humano são variáveis presentes na arte. O que nos ajuda é saber a verdadeira arte é sempre exigente com propostas e obras, independente do tempo - o sem conteúdo, o falso "fotógrafo-artista", não sobrevive.
Por essas, é preciso analisar uma obra dentro de seu contexto (o que ela representa diante das outras produções de seu tempo?) e mais, temos que desvinculá-la de qualquer utilidade prática - a arte é a única coisa que o homem faz cuja necessidade não parece diretamente ligada a sua sobrevivência.
Na publicidade, por exemplo, cujo fim é vender coisas consumíveis, as boas imagens são retomadas pela história, pois ao serem removidas de seu período de veiculação, nos permitem uma análise do cotidiano passado, debatido pela experiência visual (às vezes estética ou até artística) e com as novas tecnologias de seu tempo. Isso permite, portanto, uma consagração posterior no rol das artes , desde que as peças sejam de verdade bem executadas e validamente destacáveis.
Há ainda a questão do sublime: a experiência estética da arte nos dá a dimensão de grandeza e nos remete realmente a pensamento desvinculados de nossas atividades (por vezes, ela nos questiona sobre o nosso cotidiano, removendo-o de seu lugar tradicional para que possamos apreciá-lo "de fora").
A arte não é sempre o belo, cujo conceito é extremamente escorregadio, mudando ao longo dos tempos e dos indivíduos. Às vezes, uma única imagem eleva um fotógrafo à posição de artista. Em outras, é preciso reunir a obra de uma vida inteira para distinguir essa busca no trabalho e o sucesso nesse pleito.
De qualquer forma, uma obra produzida pelo ato de produzir ou para vender e agradar dá indícios de que algo está errado no discurso de arte do autor. Há muitas obras medíocres querendo ser arte. Trabalhos feitos para atender uma necessidade de mercado, repaginados na forma com relação à foto doméstica, mas em nada comparáveis às trajetórias de originalidade e competência que encontramos em grandes fotojornalistas do porte de Bresson e Kertéz ou de retratistas de moda, como Helmut Newton, David Lachapelle, Bob Wolfeson...
O critério "cute", conferido a grande parte das fotografias de crianças e cachorrinhos, não é suficiente. É preciso mais que uma ambientação, do que um simulacro para que um retrato consiga se sobrepor aos orgulhos pessoais, aos desejos de grandeza de fotógrafos e retratados. Não sem motivo, historiadores dos anos iniciais da fotografia defendem com tanta ênfase a força da paisagem sobre o retrato, considerando o primeiro a verdadeira arte do período.
Obviamente, nossa tecnologia permite procuras e encontros mais inovadores e imaginativos. Mas só o tempo pode separar o joio do trigo. Se durante o processo fotográfico o artista se dispõe a buscar o caráter artístico (que destaca uma obra, inclusive no mercado), nada o impede de um dia assim ser reconhecido e, com certeza, ele terá um trabalho diferenciado dos demais.
No entanto, há que se ter humildade e, acima de tudo, bom senso, para não sair por aí exclamando que qualquer foto que chame a atenção de alguém é arte ou que temas banais (como uma simples flor) não podem dar destaque a ninguém. Separar, com critérios rígidos, o que em nosso trabalho é mais que técnica e REALEMENTE original, ajuda a reconhecer o que pode ser arte (mesmo que ninguém do senso comum ou de seu tempo assim o chame).
Conhecer e se inspirar em grandes fotógrafos nos ajuda, mas por vezes nos impele ao clichê, à cópia mal executada. Achar que a opinião geral ou de mercado asseguram qualidade, também não é bom caminho. O artista domina e utiliza seu equipamento de forma pessoal e não-mecânica ao mesmo tempo que se permite novas propostas, novos ângulos e temas.
Meus estudos no campo da arte me levam a uma postura bem crítica sobre o que os outros fazem, sobre o que eu faço e sobre o que eu ainda quero fazer - não, apesar de ter obtido algumas imagens bacanas, ainda estou longe da "obra-prima" ou de algo que me faça tão precoce e produtiva na arte quanto um Álvares de Azevedo ou um Noel Rosa. Não digo que queria que todos pensassem (ou refletissem) sobre as coisas como eu, mas gostaria de reconhecer mais isso em outras pessoas - nos livraríamos de falsos profetas, de discursos vazios e pouco úteis e, principalmente, dessa sensação de que querem nos convencer a olhar para o sol e ver a lua (tive sensação semelhante no Jornalismo, mas isso fica para outro post).
PS 1 - Dessa vez fiquei tão chocada com a prepotência alheia que não vou publicar imagem alguma. Nas próximas semanas, tentarei postar uma série sobre a história da fotografia dentro do campo das artes e creio que isso me compensará com vocês no que diz respeito a boas (e verdadeiras) imagens de arte.
PS 2 - Prefiro não publicar nomes de instituições ou fotógrafos para evitar confusão e em respeito à imagem que alguns colegas tem de si mesmos . Parto do princípio de que a ilusão só pode ser retirada de alguém quando há algo que seja capaz de substituir ou de segurar a queda para projetar um salto mais consistente - e tenho absoluta consciência de que esse texto não me permitirá conceder nada assim.