O Dia em que quase fui presa

Hoje ameaçaram me prender. Disseram que iam chamar a polícia para mim.
E, não. Eu não cometi nenhuma contravenção. Foi só a velha e boa ignorância em ação.

Ao que parece, as empresas que organizam eventos não sabem bem definir o conceito de "profissional de fotografia" e confundem isso com "equipamento profissional". Como eu não tenho câmera pequena para fotografar momentos pessoais (não faz muito sentido, porque as imagens não saem como eu gosto), levei a minha mesmo, como de praxe, apesar de não ser muito a minha praia fotografar fora de estúdio ou de contexto jornalístico.

No fim, ninguém chamou a polícia e fiz minhas fotos do mesmo jeito que os outros pais e parentes. Eu não ia tomar o emprego de ninguém, pois minha intenção não era vender as imagens. Também não íamos deixar de comprar deles menos que  os outros que fotografavam com máquinas pequenas - no final, até tiramos fotos no estúdio da empresa, porque eu também gosto de registrar minha presença com a família nessas ocasiões.

O que de fato essas companhias de formatura não querem é que os pais (clientes, em geral) saibam que FOTOGRAFAR NÃO É CRIME! Ainda mais quando constituem registro de memória pessoal - ninguém pode obrigar ninguém a comprar nada e tampouco cercear o direito de expressão de cada um.

Esperam que acatemos calados as ameaças, que não conheçamos nossos direitos como cidadãos. Não fosse o mini-escândalo que armei e o protesto de outras mães que reconheceram a maluquice da situação, talvez eles até tivessem me posto para fora da formatura do meu próprio irmão.

De acordo com o fotógrafo e advogado José Roberto Comodo, especialista em defender casos como este, "interromper o ato de fotografar é arbitrário", pois a garantia individual expressa no artigo 5o., IX, da Constituição Federal de 1988 diz que "é livre a expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”
*.

Todos os pais estavam com máquinas, algumas semi-profissionais, mas só a minha não podia tirar fotos.

Eu já fui expulsa de muito lugar como fotojornalista, geralmente por seguranças, outras por assessores. Mas como eu mesma e com a agressão partindo de outro fotógrafo, foi a primeira vez.

Lembro de um show com a banda Dead Fish no Sesc de Bauru em que fui arrastada para fora por dois bruta-montes.  Tinha agendado o encontro antes da apresentação. Faria uma sessão de fotos de bakstage para uma matéria no final do evento. Mas o chefe de segurança, assustado com o público que pulava e fazia mosh, não acreditou que eu não era fã (sim, essa cara de mais nova não é algo bom sempre). Acebei fazendo as imagens no hotel.

Quando era repórter, também vi muita falta de educação com fotógrafos do jornal. Chegava em qualquer shopping (horário agendado, entrada liberada por assessor... tudo bonitinho), era batata: eu passava, a pessoa com a câmera ficava.

Daí a gente olhava para o lado e todo pai bobo e turista da região carregava uma maquininha ou celular. Todo mundo fazendo pose, em qualquer lugar. Será que bandido só faz mapeamento para assalto com câmera profissional? É a desculpa mais esfarrapada que já vi.
Não pode um, não pode ninguém. Se puder, não pode existir discriminação.

Gente, a Constituição é linda! E nos protege: o mesmo art. 5o, XIII, da CF/88, dispõe que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”

Poderia a lei ordinária estipular qualquer tipo de restrição? Para o advogado Renato Dolabella Melo cabe lembrar que "a Constituição é norma superior, à qual se submetem as demais leis" - vocês podem ler mais no artigo dele,  "O Direito de Livre Manifestação da Atividade Artística", que podem baixar clicando aqui) Locais públicos, então, nem pensar. Nenhuma autoridade pode te impedir de fotografar a paisagem, de criar uma peça artística ou de simplesmente documentar seu tempo e sua história.

Se alguém te impedir de fotografar, faça valer o seu direito. Defendam os que estão sendo ameaçados. Contem para as pessoas que  proibir por proibir é inconstitucional. Desse jeito, talvez, diminuam essas loucuras de quem quer ganhar dinheiro em cima ou, simplesmente, esconder algo que você deveria ver.

É isso.



*José Roberto Comodo explicou essa situação no congresso Photo Image, realizado em agosto de 2010. Ele é especialista em Direitos Autorais e sócio-proprietário da Riguardare – Scuola di Fotografia